( Artigo Publicado na Revista Sábado de 18/12/08).
Para se entender como é que se comportam os adolescentes, nomeadamente na sua relação com os irmãos, é necessário recuarmos um pouco e pensarmos um pouco como nos construímos enquanto pessoas.
A relação entre irmãos na adolescência, e futuramente na idade adulta, é um processo que se iniciou desde o nascimento do irmão mais novo. A forma como esta relação foi vivida e sentida, por ambos, no passado, condicionará, de certa forma, a sua relação actual.
Existem diversos factores que influenciam e determinam a relação entre irmãos, desde a mais tenra idade. Um desses factores tem a ver com as expectativas que a família tem acerca das características, competências e possibilidades de cada uma das crianças. Estas expectativas vão ser determinantes na organização da fratria, nas relações de poder entre irmãos, na função e papéis de cada um. Um outro factor, determinante na relação entre irmãos são as dinâmicas do funcionamento familiar assim como do modelo de relacionamento parental, que tende a ser reproduzido na relação entre irmãos, e aqui podemos incluir, as representações do papel do homem e da mulher em todas as suas variantes, dos valores, dos nossos padrões culturais entre outros.
A relação entre irmãos nunca é inteiramente fácil ou isenta de conflitos. É, de uma forma geral, como muitos lhe chamam, uma relação de amor-ódio, uma relação ambivalente, que, longe de ser negativa, funciona como uma mola que permite à criança crescer e “assumir-se “ de uma forma saudável dentro da fratria.
A rivalidade entre irmãos é tão velha quanto a bíblia, onde é referido o episódio em que Caim mata Abel por ciúmes.
O ciúme é um instrumento necessário para que o “primogénito” faça o luto do sentimento de “Pleno Poder”sentido graças à sua condição de “Pequeno Rei”
É através da rivalidade que a criança aprende a vida em comum, a necessidade de ter em conta o outro, de partilhar e faz a aprendizagem da competição social. É na relação com irmãos que a criança começa a aprender padrões de lealdade, prestatividade, protecção, competição, domínio, conflito, que vão ser generalizadas a todas as relações que a criança vai estabelecer ao longo de toda a sua vida.
Esta situação torna-se complicada e eventualmente patológica quando os pais não sabendo gerirem essa rivalidade (que acaba sempre por vir à tona mais cedo ou mais tarde) e tendem, não raras vezes, a proteger e favorecer um dos filhos, normalmente o mais novo, passando a exigir mais do mais velho, que muitas vezes acaba por crescer “depressa de mais”. Essa situação pode comprometer o desenvolvimento da criança e poderá levar a que a criança mais velha se sinta cada vez mais posta de lado (não quer dizer que isso seja real, mas pode ser sentido) e a sua agressividade vai sendo virada para o próprio por não lhe permitirem que a exteriorize.
Essa rivalidade recalcada, não expressa, pode assumir contornos de ódio levado ao extremo, em que irmãos mais velhos direccionam essa raiva aos mais novos, mais tarde na adolescência ou idade adulta, por não o terem manifestado mais cedo na infância, provavelmente porque os pais não lho permitiram.
Haverá outras razões, mas por detrás destas actuações está muitas vezes a repetição do modelo parental rígido e opressor, de um pai autoritário e rígido ou de um pai ausente em que o filho mais velho assume o papel de pai de família, de autoridade, e em que nesta fase de emancipação “da filha mais nova” tenta impor regras e limites, o que é muitas vezes fonte de conflito, pois a irmã, tal como é saudável e desejável, não lhe reconhece tal papel e entram em confronto, tentando autonomizar-se.
Nas famílias muito conservadoras e rígidas, com uma disciplina muito autoritária, já encontrei situações em que irmãos mais velhos, todos rapazes, com irmãs mais novas raparigas, demonstram ao fim de algumas sessões um ódio aceso pela irmã mais nova que só tiveram oportunidade de exteriorizar na adolescência aproveitando-se do estatuto de rapaz, a quem os pais dão mais liberdade. Num dos casos havia uma diferença de seis anos, e o irmão assumiu o papel paternal, decidindo onde a irmã ia e com quem, sob a égide de protecção. Na realidade o que estava presente era de facto a rivalidade e a vingança por um amor que não tinha tido. Este homem foi durante anos submetido a um autoridade paterna desmedida que o impediu de viver uma infância e adolescência normal. Quando a irmã atingiu a idade de sair apoderou-se de um papel que lhe permitiu a vingança. Muitas sessões depois foi possível exteriorizar os ciúmes que tinha da irmã, revelando que ela era uma privilegiada pois não tinha passado pelo que ele passou e que tinha muito ressentimento dela por isso.
Tentando responder à suas questões:
1. - Como costumam os irmãos mais velhos reagir a novas situações relacionadas com as irmãs mais novas como: a primeira saída à noite, o primeiro namorado, o primeiro fim-de-semana for da irmã mais nova, , ou quando tiram a carta...
Na sequência do que tenho vindo a referir, não podemos definir uma forma típica de reacção, a forma como os irmãos mais velhos reagem face a novas situações das irmãs mais novas, depende de múltiplos factores, entre os quais a personalidade, os modelos de funcionamento familiar, em que cresceu, a presença ou ausência de figura de autoridade (no caso da nossa cultura, muito associada a uma figura masculina), das representações dos papéis do homem e da mulher na família, dos valores, entre outros factores.
O que posso dizer, e que me diz a minha prática clínica é que de uma forma geral, um tipo de resposta saudável e expectável, dos irmãos mais velhos, numa primeira fase com o início de actividades de autonomia das irmãs mais novas, é revelarem alguma preocupação e até protecção, dando conselhos, evitando de alguma forma que a irmã mais nova passe por situações desagradáveis pelas quais ele próprio já passou, e aí entram muito os valores da nossa cultura, os estereótipos e preconceitos sobre a mulher, o que “fica bem” ou “fica mal” o que a irmã deve ou não fazer. Porém, numa relação saudável, esta preocupação inicial extingue-se passado pouco tempo, os irmãos seguem lado a lado, apoiam-se, tornam-se de alguma forma cúmplices, mas não se traem, nem invadem a privacidade um do outro. Existe o respeito pela individualidade de cada um.
Porém, existem outros casos, e não são assim tão raros, em que esta preocupação inicial se prolonga no tempo, de forma muito obsessiva, em que o direito à individualidade e à autonomização das irmãs mais novas são insistentemente postos em causa, com uma intrusão abusiva na vida das irmãs mais novas. E isto claramente não é uma relação desejável, nem saudável para nenhuma das partes. Os casos apresentados são disto testemunho.
Na minha prática tenho verificado que muitos dos irmãos mais velhos que cresceram em famílias muito conservadoras e rígidas, com uma disciplina muito autoritária, ou em famílias em que o pai não existe, estes jovens tendem a reagir sempre com uma “preocupação” face às primeiras manifestações de autonomia das irmãs mais novas, levando a um controle apertado dessa fase da adolescência, em que simultaneamente agem a sua raiva fraterna e assumem, no caso de pai ausente, o papel de pai de família, tentando impor regras e limites às irmãs mais novas. Nos casos do pai ausente, o papel de protector e autoridade, estende-se não raras vezes à própria mãe. Não passam de semi-adultos frustrados que precisam de exorcizar os seus fantasmas à custa de oprimirem alguém. Esta necessidade acompanhá-los-à pela vida fora, a rivalidade fraterna não fica resolvida e vão actuá-la mais tarde em colegas de trabalho (são os típicos colegas invejosos), esposas, filhos, enfim pelas diversas relações que estabelecem ao longo da vida. Também existe este tipo no feminino.
2. Como devem as raparigas reagir quando os irmãos mais velhos se tornam demasiadamente controladores?
É fundamental que estas jovens ponham um limite a esta autoridade e invasão da sua privacidade e lutem pela sua autonomia e pelo respeito da sua privacidade. Deverão fazê-lo de forma directa e assertiva. Evitar o conflito é muitas vezes uma forma de adiar a resolução do problema. O exemplo da Marta é disso testemunho.
Mas nem sempre é fácil sair deste ciclo uma vez que, muitas das vezes, tudo é feito com a conivência, e suporte, dos pais (que ficam mais descansados, por exemplo, nas saídas à noite quando o filho mais velho vai tomar conta da irmã mais nova).
Tornam-se mulheres deprimidas e passivas e pouco autónomas, aquelas que já tinham uma tendência para tal. Outras haverá que, mais resilientes, lutam e se livram da tirania fraterna, ou até paterna e conquistam a sua autonomia. A Marta é disso um bom exemplo.
Como é que uma relação entre irmãos adolescentes possessiva pode afectar a sua relação na idade adulta?
Uma relação conflituosa entre irmãos na infância e na adolescência caso não seja, desconversada, compreendida e elaborada, sê-lo-à, igualmente conflituosa na idade adulta, com a diferença de que nessa fase as rivalidades e as possessões são manifestados por mecanismos mais elaborados e requintados adequados à idade adulta.
4.3.- Como devem os pais actuar?
Em primeiro plano os pais não se deveriam nunca demitir do seu papel parental delegando funções, que são suas, nos outros filhos, geralmente no filho mais velho, porque não só estão a atribuir funções ao filho mais velho que não são suas, como estão a contribuir para a perversão dos papéis de cada um no seio da família.
È fundamental que pais e filhos, saibam e tenham bem conscientes dentro de si, os papéis e tarefas de cada um dentro da família.
Por outro lado, também é importante que os pais não interfiram muito na relação entre irmãos, porque isso implica tomar partido de um em detrimento de outro, defender um e acusar outro, o que vai em muitos casos, aumentar a rivalidade e o ciúme.
Porém, em situações extremas, como o caso de Lara, é claro que os pais devem interferir, no sentido de clarificar os papéis de cada um dentro da família, chamar a si a responsabilidade da vida de Lara, que está por hora assumida pelo seu irmão e claramente demitir o Pedro da sua função de “proteger a irmã”. Esta situação deixa transparecer alguma conivência dos pais de Lara com o seu irmão sob a égide da protecção.
4. - É importante as raparigas terem mais uma figura masculina autoritária na fase da juventude?
Não, de todo. Considero ser pernicioso para a jovem rapariga acumular modelos masculinos opressores.
Estes modelos podem, também eles, condicionar a jovem, mais tarde, na escolha de um parceiro em que muitas vezes irá optar, numa compulsão á repetição, pelo mesmo tipo de sujeitos opressores e autoritários, perpetuando um ciclo relacional doentio.
Em suma, e de encontro ao objectivo deste texto, Sim, os varões à antiga – autoritários, controladores, ciumentos, protectores, antiquados e machistas ainda existem, e na minha opinião continuarão a existir, porque a razão da sua existência está para além de questões culturais, de moda, de direitos do homem ou da mulher. São manifestações instintivas de sobrevivência face à insuficiência de modelos e vivências relacionais suficientemente satisfatórias e que estão na base da construção de personalidades imaturas que necessitam de se afirmar pela opressão e pelo poder.
Maria de Jesus Candeias
Psicóloga Clínica.
Membro da Sociedade Portuguesa de Psicoterapia Psicanalítica.
Consultório : Policlínica do Areeiro
jesuscandeias @gmail.com
tenho42 anos e meu irmão 48 anos.o problema é que eu existo.se pudesse já deria dado um fim em minha vida.já me pôs pra fora da casa de minha mãe quando deus levou meu pai,agora não posso nem estar na casa de qualquer um se ele chegar eu tenho que sair senão começa uma confusão.eu não engulo as acusações dele,e se ele partir pra cima de mim,levará também.e o pior que ao invés de minha mãe evitar,ela fica jogando um irmão contra o outro,ela fala mal de um para o outro,aí o inferno se forma.DEUS TENHA PIEDADE DESTE LAR.E DESTE RAPAZ TAMBÉM.
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